segunda-feira, 9 de setembro de 2019

PFP - Conhecimento para-na-da prática

Cochran-Smith, Marilyn; Lytle, Susan L. Relationships of knowledge and practice: teacher learning in communities. Review of Research in Education, USA, n. 24, p. 249 –305, 1999. (texto traduzido)

O texto de Lyte e Cochran-Smith (1999) colabora em analisar e discutir o sentido de alguns conceitos como aprendizagem docente, pesquisa do professor, comunidades investigativas, desenvolvimento profissional, entre outros aspectos relacionados à formação docente.

Nesse artigo, os autores questionam a crença de que “os professores que sabem mais, ensinam melhor”. Entretanto indicam também diferentes visões sobre os significados de “saber mais” e “ensinar melhor”. Ou seja, há concepções radicalmente diferentes de aprendizado de

professores, incluindo imagens variadas de conhecimento; de prática profissional; de relações necessárias e/ou potenciais que existem entre ambos; dos contextos sociais, intelectuais e organizacionais que sustentam o aprendizado do professor; e nas maneiras através das quais este aprendizado se conecta com a mudança educacional e com o propósito da escola.

Para apresentar a discussão, as autoras dividem as três diferentes concepções de ensino – aprendizagem (considerando que um dos pontos em comum é o entendimento de que o aprendizado ocorre ao longo do tempo e não em momentos isolados, e que o aprendizado ativo necessita conectar os novos conhecimento aos antigos):

 Concepção1: “conhecimento-para-prática”. Parte do pressuposto de que os acadêmicos e especialistas nas universidades geram os conhecimentos formais e teorias para que os professores os aprendam para utilizar ou aplicar na prática. Essa concepção supõe que o conhecimento formal serve para organizar e aprimorar a prática profissional do professor e que ensinar é “apenas” um processo de aplicação de conhecimento. Valendo-se disso, teoricamente conhecer mais (conteúdos, padrões, estratégias, teorias educacionais etc.) e aplicar esses conhecimentos ajuda o professor a melhorar sua prática docente. Nesse cenário, os espaços de aprendizagem profissional são geralmente cursos, oficinas e workshops conduzidos por especialistas da universidade. Essa concepção segue o modelo da racionalidade técnica, pois, conforme Schön (1995, p.29, apud Cochran-Smith e Lytle 1999, p. 263) os profissionais são solucionadores de problemas e os problemas da prática profissional podem ser resolvidos instrumentalmente através da aplicação de teorias e técnicas embasadas na pesquisa acadêmica.

 

Concepção2: “conhecimento-na-prática”, chamado também de “saber em ação”.  Ao contrário da primeira concepção, nessa considera-se que os conhecimentos essenciais para o exercício da docência são de natureza prática e, portanto, não podem ser ensinados, mas devem ser aprendidos no dia a dia ou reflexivamente através da prática, podendo evoluir com a experiência e mediante o relacionamento com professores experientes ou considerando a reflexão do professor sobre sua própria prática. Essa concepção de aprendizagem docente estabelece um relacionamento entre conhecimento e prática. Diferente da primeira concepção onde os professores eram considerados usuários ou aplicadores do conhecimento acadêmico-científico, nessa concepção são vistos como os próprios designers e arquitetos da ação educativa. No entanto, um alerta que o texto faz é que por estar situado em contextos locais e isolados, pode, com o tempo, tornar-se rotineiro e reprodutivo de relações e práticas, impedindo que o professor e sua docência possam crescer e se desenvolver continuamente. Por isso, embora a autoras reconheçam que os professores aprendem e produzem conhecimentos relevantes na prática, mediante reflexão de sua prática, elas propõem que os professores também desenvolvam conhecimentos e teorias por meio da investigação da própria prática, constituindo comunidades investigativas locais conectadas com outras comunidades e fazendo então surgir uma terceira concepção.

 

Concepção3: “conhecimento-da-prática”, não pode ser considerado apenas um resumo e entrelaçamento dos dois anteriores. Nessa concepção, o conhecimento relativo ao ensino é visto como um saber que não pode ser desvinculado do sujeito que o conhece e não pode simplesmente ser dividido em conhecimento teórico (formal)e em conhecimento prático. O conhecimento que os professores precisam para ensinar bem é gerado quando eles consideram suas próprias práticas como objeto de investigação intencional, considerando as teorias produzidas por outros como aportes ou referências que ajudam a problematizar, interpretar e compreender a prática de ensinar. Nesse caso, tanto professores quanto pesquisadores devem se comprometer com uma educação progressiva e de responsabilidade social. Assim, com essas comunidades, os professores, de um lado, teorizam e constroem seu trabalho, conectando-o às questões sociais, culturais e políticas mais amplas e, de outro, desenvolvem uma postura que as autoras caracterizam como investigativa.   

 

Existem atualmente algumas iniciativas relacionadas com essa terceira concepção onde estudantes professores são socializados no ensino por meio de comunidades de pesquisadores e aprendizes que veem o questionamento como parte da tarefa de ensinar, porém todas elas enfocam o trabalho de professores mais experientes e podem ocorrer dentro de programas específicos ou apenas em iniciativas pessoais quando dois ou mais professores se reúnem para “formar” outros professores de sua própria escola.

A autora termina esse capitulo indicando algumas questões sobre aprendizado de professores levantadas pelo modelo de analise sugerido. O primeiro deles é a construção do professor tendo  “investigação como postura” ou seja, a posição dos professores e dos que trabalham em comunidade de investigação diante do conhecimento e de suas relações com a prática (Cochran-Smith e Lytle, 1999, p.288) podendo assim gerar conhecimento local, teorizando sua prática, interpretando e questionando as teorias vistas e suas relações com os outros. Um outro ponto vinculado a essa postura investigativa é a fuga de dualismos que separam os “professores da teoria” dos “professores da prática” e sempre procurar enfatizar a importância do conhecimento local que também pode ser útil a uma comunidade mais ampla, sendo essa concepção de comunidade uma outra base para essa postura. Um terceiro ponto abordado pelas autoras é sobre a mediocridade de considerar a prática como apenas “por algo em movimento, em ação” ou uma não-teoria enquanto a teoria seria uma não-prática: é fundamental encarar os vinculo entre ambas, assim como a natureza e origem da prática estar nas teorias.

Para finalizar, as autoras enfatizam que o aprendizado do professor não pode ser forçado ou obrigado pois nesse sentido deixa de ser aprendizado e se torna desenvolvimento pessoal, passando a ter um fim em si mesmo. Nesse sentido há uma importância fundamental em criar uma cultura da comunidade favorecida pelo tempo necessário para a investigação do professor e do grupo a que pertence, favorecida pela co-construção do conhecimento através de formas colaborativas de trabalho e de uma postura de aprendizado  e investigação bem diferente do que acontece em treinamentos formais e workshops. “ ... que o aprendizado dos professores no próximo século, seja compreendido não como uma realização profissional individual, mas como um projeto coletivo de longo prazo animado por uma agenda democrática” (Cochran-Smith e Lytle, 1999, p.296).



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